Pesquisa Operacional: morta, mas não enterrada

Em ensaio publicado em 1979 no Journal of the Operational Research Society, Russell Ackoff desferiu severas críticas contra a área da qual é um dos principais genitores. Sob o título “O Futuro da Pesquisa Operacional é Passado”, ele decreta a morte da Pesquisa Operacional apoiada no tratamento limitado e displicente, tanto pelo meio acadêmico quanto empresarial. A leitura do texto impacta não só pela contundência, mas principalmente pela sua contemporaneidade: as inadequações relatadas, sem esforço, poderiam ter sido escritas na época atual. Não obstante a longínqua data de publicação, não há absolutamente nada de antigo na alocução do autor.

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Ackoff não se isenta da cumplicidade pelo filicídio. A conclamação perante a conjuntura, manifestada desde o início dos anos 1970, não surtiu os efeitos desejados. A introdução do texto denuncia a falta de compreensão dos próprios acadêmicos do tópico. Nesse particular, o autor revela as colocações deliberadamente expostas um ano antes por John Hall Jr. e Sidney Hess¹, ao expor cinco tratamentos sobre a situação. Em resumo, trata-se de um conjunto de sugestões superficiais na relação entre acadêmicos e não acadêmicos em torno do uso dos métodos quantitativos. No artigo, os autores exibiram a incompreensão naquela data - que ainda hoje é exibida - por qualquer consultor de nível médio, baseado unicamente em experiência corporativa, quando divagam sua ignorância específica acerca do assunto.

De forma sumária, o atestado de óbito é composto por três razões principais. O primeiro motivo traz a diminuição da efetividade da Pesquisa Operacional, decorrente da distorção das situações problemáticas abordadas pelas técnicas empregadas. Observa-se que os executivos deixaram de considerar as situações problemáticas tal como se manifestam, adaptando-as de modo equivocado a fim de torná-las aceitáveis à manipulação matemática. Na sequência, o definhamento é direcionado à “perversão técnica da Pesquisa Operacional”*, uma vez que as técnicas matemáticas podem ser ensinadas sem dificuldades por qualquer docente alheio às condições apropriadas de aplicação. A terceira razão remete ao aniquilamento da interdisciplinariedade do campo, tal como concebido na sua origem. A Pesquisa Operacional tornou-se uma disciplina segregada das demais: isolamento promovido pelas próprias entidades envolvidas no tema.


Ackoff esmiuça que a redução da utilidade ocorreu de maneira progressiva, para camadas inferiores da hierarquia organizacional, onde residem problemas mais simples e facilmente compatíveis com a modelagem matemática. Apesar do diagnóstico assertivo, a transferência afastou sua concepção inicial: a Pesquisa Operacional já era largamente reconhecida como uma área destinada ao uso de modelos matemáticos em vez da “capacidade de formular problemas gerenciais, resolvê-los e implementar e manter suas soluções em ambientes turbulentos”*. O autor enfatiza a desconsideração do campo que, em algum momento, “quando já não era possível empurrá-lo para baixo [na hierarquia organizacional], foi empurrado para fora”*. De modo idêntico, está o tratamento recorrente nas escolas de administração de empresas nos dias atuais, onde a disciplina de Pesquisa Operacional é bastante abreviada, quando não retirada da grade curricular.


Em consonância com o ataque contra a “perversão técnica”, nota-se que o envenenamento da Pesquisa Operacional perdura, ainda hoje, em eleger docentes ineptos para a tentativa de ensino. Comumente professores de estatística, cálculo e, em maior frequência, professores de Excel se atrevem a se apresentar para lecionar. A intoxicação aconteceu por legitimações absurdas ao longo da última década, nas quais se convencionou associar “modelagem matemática” como equivalente a “ensinar planilhas”.


A exumação continua. Ackoff alude, no final da década de 1960, a valorização no ensino dos métodos quantitativos nas escolas de negócios, declarada como “boa moeda de troca”. Como resultado, o ensino da Pesquisa Operacional concentrou-se exclusivamente na esfera matemática. Com a evolução dos algoritmos computacionais, o ensino foi transferido para a linha de tecnologia da informação, rebaixando a Pesquisa Operacional à aplicação de softwares e, por vezes, aviltando-a em ferramentas computacionais para o jazigo da elaboração de planilhas. Assim, permanece exterminada sua característica inicial, cujo exórdio fora totalmente interdisciplinar, vinculado às necessidades bélicas da Segunda Guerra Mundial.


Definitivamente, é assombroso verificar que, quase cinquenta anos após a publicação, a Pesquisa Operacional tornou-se um corpo insepulto, praticamente sem chances de ressurreição. Em 1979 já se advertia: “nas duas primeiras décadas da Pesquisa Operacional, sua natureza era determinada pela natureza das situações problemáticas que enfrentava. Agora, a natureza das situações que enfrenta é determinada pelas técnicas que tem à sua disposição”*. A Pesquisa Operacional permanece em um quadro de desídia pela própria academia, à mercê da incompreensão corporativa e sufocada pelos modismos tecnológicos de cada época. As características dos problemas empresariais alteraram-se consideravelmente desde os primórdios da década de 1930 até aquela data. Já se passaram 46 anos. Qual a chance da humanidade finalmente começar a entender a natureza das situações problemáticas em vez de seguir refém de algoritmos ou ferramentas programadas da tal Era Digital?

* Trechos com tradução livre do texto original. 

Referência 

1. Hall Jr, J., Hess, S. (1978). OR/MS dead or dying? RX for survival. Interfaces 8, 42-44. 


PARA CITAR:

CONCER, R. Pesquisa Operacional: morta, mas não enterrada. Dr. Ronald Concer | A Ciência da Decisão, 2025. Disponível em: <https://ronaldconcer.blogspot.com/2025/09/pesquisa-operacional-morta-mas-nao.html>