A idealização da modelagem matemática: a crise dos cenários perfeitos

A década de 1970 assistiu ao início do processo de reformulação da Pesquisa Operacional. Até então, o campo era marcado pelo uso extensivo dos métodos matemáticos e estatísticos para a resolução de problemas. O movimento questionou, em várias instâncias, a efetividade da abordagem em voga: questões como resultados, adequação e inclusive a postura institucional formaram o debate em torno da serventia dos métodos à tomada de decisão executiva.

A clássica ilustração da modelagem matemática remete ao tópico de otimização. Modelos são preparados a partir da determinação de um objetivo a ser atingido, seja por maximização ou minimização, uma variável dependente num sistema de equações, do qual a variável independente é a decisão a ser tomada (desconhecida). O modelo é composto por dados coletados (entradas), programados com condições de restrições em conjunto com as variáveis independentes. Tipicamente, o profissional executa o modelo por meio de algoritmos computacionais para encontrar os valores das decisões que conduzam à solução ótima.

Tal expediente é bem conhecido pelo profissional familiarizado com modelagem quantitativa. Entretanto, o êxito completo dessa prática talvez esteja restrito às aplicações no Eldorado de Voltaire ou na Utopia de Thomas Morus. O funcionamento pleno de qualquer algoritmo computacional subentende o trabalho em ambientes controlados – informações completas capturadas sem distorção, unanimidade diante dos fatos e baixa incerteza – obedecendo uma série de pressupostos fictícios na maioria das operações. A ênfase na tradução numérica dos problemas organizacionais, previstos no paradigma dominante, emergiu no debate entre britânicos e norte-americanos da comunidade científica.
O que é Modelagem Financeira?
A perspectiva convencional se mostrou insuficiente para lidar com problemas do mundo real. A crítica é dirigida à falta da elaboração prévia das situações: instabilidade para avaliar padrões de sucesso, ambiguidade das tarefas e as circunstâncias sob as quais os modelos são criados são desconhecidas. Nesse patamar, técnicas tradicionais que supõem relações causa e efeito entre os eventos são ineficazes. Os profissionais ignoravam o ponto mais fundamental e exigente em todo processo de tomada de decisão: destrinchar qual o verdadeiro problema a ser modelado.

O ataque adquire proporções maiores. Em primeiro lugar, o grupo dos reformistas¹ apontou a necessidade prévia de consenso entre as partes em prol do uso das técnicas numéricas - estado pouco provável em cenários de conflito. Em segundo, questionou-se a ausência do fator incerteza: tanto das consequências da ação quanto aos objetivos da ação. Problemas caracterizados por baixos níveis de incerteza e forte consenso são cabíveis à formulação matemática, no entanto, definitivamente não pertencem às esferas estratégicas das organizações.

A demonstração empírica desse quadro é registrada por Greenberger, Crenson e Crissey em 1976, ao relatar a atuação da RAND Corporation². A empresa adotou métodos quantitativos de modelagem durante sete anos (otimização, causa e efeito) nos dilemas dos serviços governamentais na cidade de New York. Os resultados positivos foram constatados em organizações estruturadas com hierarquia rígida, tal como o departamento de bombeiros. Atividades rigorosamente especificadas, cuja repetição fornecia dados concretos, viabilizava os modelos matemáticos. O perfil geral dos funcionários era constituído por baixa competência analítica. Ademais, observava-se consenso geral perante todas as prioridades do projeto. Em contraste, os resultados na saúde pública municipal revelaram-se um absoluto fracasso, refletindo uma configuração diametralmente oposta às previamente descritas.

Convencionou-se denominar a abordagem numérica como “ortodoxa” ou OR Hard (Operational Research Hard), em virtude da rigidez exigida nos contextos necessários à implantação dos métodos matemáticos. Além da ausência de incerteza e alto consenso entre as partes, o formato apresenta outras fragilidades.

A modelagem tradicional dos problemas é orientada por um único objetivo a ser otimizado. Na ocorrência de múltiplos objetivos, a inoperância dos modelos obriga executivos a dilemas de priorização. A visão ortodoxa é dependente da disponibilidade de dados, exacerbadamente usados por profissionais, dos quais nem sempre estão aptos a checar sua credibilidade ou lidar com vieses na observação de fatos para transformações numéricas. Outro aspecto é o tratamento de pessoas como objetos passivos em modelos de decisão, sujeito a desconsideração de elementos comportamentais na codificação numérica ou questões subjetivas da condição humana. Além desses, o paradigma dominante assume a figura de um decisor único, talvez com interesses particulares e, ainda, não inclui obstáculos políticos nas pautas.

Os apontamentos levantados pelos críticos não anulam o poder de resolução matemática. Evidentemente, a modelagem matemática é capaz de oferecer soluções de grande valia para a sociedade tais como alocação de recursos, estudos de viabilidade operacional e controle de desperdícios. Isso não minimiza o seu poder de resolução. Na inexistência da incerteza, tal como proposto por Anthony G. Hopwood³, modelos computacionais são os mais apropriados. No entanto, deve-se destacar que a relevância destas ferramentas reside somente quando o objetivo destes problemas é conhecido.

Cenários conhecidos como complexos requerem detalhamento maior do que as formulações baseadas no paradigma dominante. Afinal, a modelagem para decisão se assemelha muito mais ao retrato da Torre de Babel onde o aconselhamento lastreado por banco de dados e soluções ótimas é somente um conjunto de práticas generalistas ante o caos enfrentado pelas organizações.

Referências:
¹. Grupo formado por pesquisadores da comunidade britânica. Entre os autores mais notáveis, estão Peter Checkland e inclusive o americano Russell Ackoff.
². Greenberger, M., M.A. Crenson and B.L. Crissey; Models in the Policy Process, Russell Sage Foundation, NY, 1976.
³. Ver "The Organisational and Behavioural Aspects of Budgeting and Control"
https://archive.org/details/topicsinmanageme0000unse_x3g6


PARA CITAR:
CONCER, R. A idealização da modelagem matemática: a crise dos cenários perfeitos. Dr. Ronald Concer | A Ciência da Decisão, 2025. Disponível em: <https://ronaldconcer.blogspot.com/2025/09/a-idealizacao-da-modelagem-matematica.html>