Entre Perversos, Bagunças e o Pântano: a classificação dos problemas complexos
Os problemas que os executivos são encarregados de resolver e os problemas passíveis de manipulação matemática não são, necessariamente, problemas da mesma espécie. Os últimos se caracterizam pelas relações de causa e efeito, estão presentes em contextos rotineiros, de caráter repetível e replicável. No polo oposto, os problemas são inquantificáveis, seus desdobramentos são desconhecidos e não redutíveis a padrões a serem enquadrados em soluções pontuais.
Ergo: problemas complexos. Autores insatisfeitos com os métodos tradicionais da Pesquisa Operacional propuseram outras classificações para tais problemas. A vertente “complexa” é caracterizada pela incidência de elevados níveis de incerteza e a ausência de ordem entre os fatores que, na maioria das vezes, são subjetivos. Nessa situação, tais problemas são absolutamente intratáveis a partir da postura “oficial” da modelagem no que tange à busca por soluções objetivas.
No lugar de estabelecer objetivos a serem otimizados, criou-se uma divisão em duas ordens para tais problemas. Essa categorização recebeu alcunhas alegóricas por autores de extremo prestígio, tanto no campo da Pesquisa Operacional quanto em outras áreas da ciência. Embora a denominação “problema complexo” não seja diretamente empregada na maioria das elaborações, os autores convergem nas tipificações, especificando a essência da complexidade organizacional.
A começar, Peter Checkland se apoiou no campo do pensamento sistêmico para discernir a problemática do que nomeou de pensamento sistêmico hard e soft¹. Na primeira modalidade, o ambiente é um sistema passível de modelagem objetiva desde que metas ou objetivos sejam previamente e rigidamente definidos. Logo, as competências advêm da determinação das melhores formas de alcançar tais objetivos. Já a percepção soft aborda o processo de estruturação da situação problemática, uma vez que os sistemas não estão dispostos facilmente para manipulação matemática. Dessa forma, concentra-se em desvendar a natureza do problema e “acomodar” divergências em vez da frenética busca pela solução.
Russell Ackoff, provavelmente o mais impiedoso crítico ao paradigma dominante da Pesquisa Operacional, apresentou uma cisão conceitual entre problemas e bagunças (no original, messes). As bagunças são situações dinâmicas em constante transformação. O problema é uma derivação das bagunças: “problemas se relacionam às bagunças como os átomos às mesas e cadeiras”². Ackoff declara ser possível resolver problemas na camada individual; entretanto, caso sejam integrantes de uma bagunça, não há maneira de acumular soluções isoladas visando alguma forma de interação maior.
O autor postula também que “executivos não são confrontados com problemas independentes; mas com situações dinâmicas que consistem em sistemas complexos de problemas mutáveis que interagem entre si”³. Nesse sentido, a orientação dirige-se para a administração das bagunças, em contraponto da resolução pontual. Ao insistir na conduta da resolução, executivos estarão aprisionados a problemas independentes e secundários, abandonando questões graves.
A dualidade é explicitada por Horst Rittel ao distinguir o problema perverso (wicked problem) do problema dócil (tame problem)4. Problemas dóceis não sofrem mudanças ao longo do processo de debate: podem ser identificados e tranquilamente acordados perante os agentes envolvidos. O problema perverso é marcado por múltiplos níveis de interpretação: dependendo das alternativas de explicação, haverá implicações diretas nas propriedades das soluções.
A dramatização desafia a legitimidade “operacional” do campo. Rittel expõe que os métodos (tradicionais) da Pesquisa Operacional somente serão válidos quando o problema perverso tornar-se domesticado. Qualquer parecer, principalmente aquele que envolva juízo de valor, deverá ser efetuado pelos próprios agentes implicados, ao contrário da figura do consultor, que não deve deliberar sobre cenários bons, ruins, etc.
Jerome Ravetz discrimina a categorização ao dividir os problemas de natureza técnica e prática5. Na primeira modalidade, especialistas técnicos exercem papel decisório singular baseando-se na competência específica exigida pela situação. Por outro lado, a autoridade técnica é restrita na ocorrência do dito problema prático - o qual requer, quando muito, uma elaboração dos objetivos a serem atingidos. Nesse patamar, lidar com problemas práticos consiste no esforço amplo em prol da formulação e definição de objetivos, derivados de relações estabelecidas mediante análises e julgamentos, das quais a perícia técnica não possui qualquer prerrogativa.
Em consonância com a subdivisão anterior, Donald Schön6 propôs uma comparação entre problemas tratáveis pela vertente tradicional da Pesquisa Operacional e os problemas ditos complexos, figurados, respectivamente, como “terreno elevado” e um “pântano”. No terreno elevado, os problemas são de relevância limitada, tanto na esfera social quanto na individual. Embora possam ser tecnicamente interessantes, esses problemas estão confinados às “terras elevadas” - uma analogia aos ambientes formados por condições favoráveis. A solução técnica é desafiada em face dos problemas desordenados e confusos, que pertencem ao pântano: onde residem os verdadeiros problemas.
Cabe ao profissional decidir se permanecerá nas terras altas ou se descerá ao terreno pantanoso. Na segunda escolha, ações típicas da investigação rigorosa não são válidas; no entanto, é fundamental adotar algum procedimento sistêmico.
Talvez o pântano ofereça a melhor imagem para referenciar o que é um problema complexo. Apesar dos variados epítetos, todos se encaminham para a descrição de situações carentes em formulação, com vieses de interpretação e que não obedecem a padrões pré-estabelecidos. O grande desafio da complexidade não está na solução, mas na forma de prover um tratamento para a situação problemática. Assim, assinala-se a impossibilidade de “solucionar” a complexidade: qualquer tentativa que tenha a pretensão de alcançar diretamente uma resolução específica está fadada ao mais ignominioso fracasso.
Essa perspectiva está vinculada ao desenvolvimento posterior do que se convenciou chamar de OR Soft (Operational Research Soft): os Métodos de Estruturação de Problemas (PSMs). Nessa linha, é proposta a reespecificação do rigor por meio do exame minucioso, antes preso a padrões numéricos.
Referências:
1. Checkland, P. (1981). Systems Thinking, Systems Practice, Wiley, Chichester.
2, 3 Ackoff, R. L. (1979). The Future of Operational Research is Past. The Journal of the Operational Research Society, 30(2), 93–104.
4. Rittel, H., Webber, M. (1973). Dilemmas in a general theory of planning. Policy Sciences 4, 155–169.
5. Ravetz, J. R. (1971). Scientific knowledge and its social problems. Oxford University Press.
6. Donald A. Schön dedicou-se ao estudo da aprendizagem organizacional e da prática reflexiva. Embora sua obra comumente não conste na bibliografia em Pesquisa Operacional, a menção feita inclusive por Jonathan Rosenhead e pelo próprio Russell Ackoff comprova a importância da interdisciplinaridade nesse campo.
Ergo: problemas complexos. Autores insatisfeitos com os métodos tradicionais da Pesquisa Operacional propuseram outras classificações para tais problemas. A vertente “complexa” é caracterizada pela incidência de elevados níveis de incerteza e a ausência de ordem entre os fatores que, na maioria das vezes, são subjetivos. Nessa situação, tais problemas são absolutamente intratáveis a partir da postura “oficial” da modelagem no que tange à busca por soluções objetivas.
No lugar de estabelecer objetivos a serem otimizados, criou-se uma divisão em duas ordens para tais problemas. Essa categorização recebeu alcunhas alegóricas por autores de extremo prestígio, tanto no campo da Pesquisa Operacional quanto em outras áreas da ciência. Embora a denominação “problema complexo” não seja diretamente empregada na maioria das elaborações, os autores convergem nas tipificações, especificando a essência da complexidade organizacional.

O autor postula também que “executivos não são confrontados com problemas independentes; mas com situações dinâmicas que consistem em sistemas complexos de problemas mutáveis que interagem entre si”³. Nesse sentido, a orientação dirige-se para a administração das bagunças, em contraponto da resolução pontual. Ao insistir na conduta da resolução, executivos estarão aprisionados a problemas independentes e secundários, abandonando questões graves.
A dualidade é explicitada por Horst Rittel ao distinguir o problema perverso (wicked problem) do problema dócil (tame problem)4. Problemas dóceis não sofrem mudanças ao longo do processo de debate: podem ser identificados e tranquilamente acordados perante os agentes envolvidos. O problema perverso é marcado por múltiplos níveis de interpretação: dependendo das alternativas de explicação, haverá implicações diretas nas propriedades das soluções.
A dramatização desafia a legitimidade “operacional” do campo. Rittel expõe que os métodos (tradicionais) da Pesquisa Operacional somente serão válidos quando o problema perverso tornar-se domesticado. Qualquer parecer, principalmente aquele que envolva juízo de valor, deverá ser efetuado pelos próprios agentes implicados, ao contrário da figura do consultor, que não deve deliberar sobre cenários bons, ruins, etc.
Jerome Ravetz discrimina a categorização ao dividir os problemas de natureza técnica e prática5. Na primeira modalidade, especialistas técnicos exercem papel decisório singular baseando-se na competência específica exigida pela situação. Por outro lado, a autoridade técnica é restrita na ocorrência do dito problema prático - o qual requer, quando muito, uma elaboração dos objetivos a serem atingidos. Nesse patamar, lidar com problemas práticos consiste no esforço amplo em prol da formulação e definição de objetivos, derivados de relações estabelecidas mediante análises e julgamentos, das quais a perícia técnica não possui qualquer prerrogativa.
Em consonância com a subdivisão anterior, Donald Schön6 propôs uma comparação entre problemas tratáveis pela vertente tradicional da Pesquisa Operacional e os problemas ditos complexos, figurados, respectivamente, como “terreno elevado” e um “pântano”. No terreno elevado, os problemas são de relevância limitada, tanto na esfera social quanto na individual. Embora possam ser tecnicamente interessantes, esses problemas estão confinados às “terras elevadas” - uma analogia aos ambientes formados por condições favoráveis. A solução técnica é desafiada em face dos problemas desordenados e confusos, que pertencem ao pântano: onde residem os verdadeiros problemas.
Cabe ao profissional decidir se permanecerá nas terras altas ou se descerá ao terreno pantanoso. Na segunda escolha, ações típicas da investigação rigorosa não são válidas; no entanto, é fundamental adotar algum procedimento sistêmico.
Talvez o pântano ofereça a melhor imagem para referenciar o que é um problema complexo. Apesar dos variados epítetos, todos se encaminham para a descrição de situações carentes em formulação, com vieses de interpretação e que não obedecem a padrões pré-estabelecidos. O grande desafio da complexidade não está na solução, mas na forma de prover um tratamento para a situação problemática. Assim, assinala-se a impossibilidade de “solucionar” a complexidade: qualquer tentativa que tenha a pretensão de alcançar diretamente uma resolução específica está fadada ao mais ignominioso fracasso.
Essa perspectiva está vinculada ao desenvolvimento posterior do que se convenciou chamar de OR Soft (Operational Research Soft): os Métodos de Estruturação de Problemas (PSMs). Nessa linha, é proposta a reespecificação do rigor por meio do exame minucioso, antes preso a padrões numéricos.
1. Checkland, P. (1981). Systems Thinking, Systems Practice, Wiley, Chichester.
2, 3 Ackoff, R. L. (1979). The Future of Operational Research is Past. The Journal of the Operational Research Society, 30(2), 93–104.
4. Rittel, H., Webber, M. (1973). Dilemmas in a general theory of planning. Policy Sciences 4, 155–169.
5. Ravetz, J. R. (1971). Scientific knowledge and its social problems. Oxford University Press.
6. Donald A. Schön dedicou-se ao estudo da aprendizagem organizacional e da prática reflexiva. Embora sua obra comumente não conste na bibliografia em Pesquisa Operacional, a menção feita inclusive por Jonathan Rosenhead e pelo próprio Russell Ackoff comprova a importância da interdisciplinaridade nesse campo.
PARA CITAR:
CONCER, R. Entre Perversos, Bagunças e o Pântano: a classificação dos problemas complexos. Dr. Ronald Concer | A Ciência da Decisão, 2025. Disponível em: <https://ronaldconcer.blogspot.com/2025/09/classificacao-dos-problemas-complexos.html>